quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma parede de bilhetes para Deus

Uma parede de bilhetes para Deus



JAILSON DA PAZ

Recife, quinta-feira, 29 de setembro de 2011Manuscritos deixados na sinagoga Kahal Zur Israel transformam local em um novo %u201CMuro das Lamentações%u201D


Visitantes pedem de brinquedos a mais
contato com a família.


Imagem: HELDER
TAVARES/DP/D.A PRESS

A mesa posta na sinagoga da Rua do Bom Jesus, Bairro do Recife, lembrava que ontem, ao surgir da primeira estrela no céu, era o início do ano 5772. Isso no calendário judaico. Maças, romãs, pão e mel chamavam a atenção dos visitantes, que dividiam os olhares entre os símbolos e as paredes seculares do antigo templo. Ali, socados em espaços minúsculos entre tijolos e pedras, pequenos pedaços de papel se sobressaem. São bilhetes para Deus no que podemos chamar de “Muro das Lamentações” do Recife. Há cartas anônimas ou com os remetentes identificados. Mas o objetivo quase sempre é o mesmo: pedidos de graças.

O hábito de deixar os bilhetes nas paredes surgiu nos últimos anos. “De uns quatro ou cinco para cá”, afirma a assessora de Cultura Judaica do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, Beatriz Schvartz. E a direção do monumento decidiu não interferir. O resultado pode-se ver agora. Uma das paredes, quase toda erguida de tijolos de barro, está cheia de pontos brancos, alguns a mais de 2 metros de altura. Na outra, os pontos começam surgir entre as pedras calcáreas e os rejuntes feitos de areia e óleo de baleia. De tantos bilhetes, dezenas caem no chão e se abrem, revelando histórias de crianças e adultos.

Em uma das pequenas cartas caídas no chão, uma garota não faz arrodeios no seu diálogo com Deus. E diz querer “um Play 3”, um videogame. Bem perto, outro bilhete endereçado ao céu era de um adulto. Anônimo, o escrito se dirigia “ao Senhor Jesus”. Pedia proteção para vida, ajuda para encontrar uma luz para sua casa. E, por fim, que o ajudasse a passar em um concurso público. Se os dois pedidos anteriores eram de cunho material, um terceiro pendia para o afetivo. O bilhete, sujo pelo vermelho dos tijolos, revela o que imaginamos ser o pedido de uma mãe. “Meu Deus, eu te peço para ficar com Aline e Louize”.

O que se vê nas paredes da Kahal Zur Israel, primeira sinagoga das Américas, pode ser comparado ao Muro das Lamentações, em Jerusalém, onde pessoas de todo o mundo oram e deixam escritos. Há algo de sagrado no antigo templo da Rua do Bom Jesus, que foi construído no século 17 durante o período em que os holandeses dominavam Pernambuco. É comum, segundo Beatriz Schvartz, os visitantes de primeira viagem fazerem esse tipo de referência ao sagrado. “Quem trabalha aqui há anos, como eu, já se acostumou a ver o local como centro cultural, mas no início era diferente”. O centro foi inaugurado em 2001.

Fonte: Diário de Pernambuco - Vida Urbana

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