segunda-feira, 30 de maio de 2011

A miserável escravidão

2011 MAI 25 - Leandro Fortes

José Roque dos Santos, 59 anos, e Maria do Socorro Diniz, 58 anos, o casal das fotos ao lado, não
têm escolaridade, nem terra, nem futuro algum. São dois lavradores de Doverlândia, um município
perdido de Goiás, de pouco mais de 7 mil habitantes.
À meia noite de segunda-feira, 23 de maio, o casal foi colocado dentro de um ônibus com outras 30
pessoas e, em troca de lanche e uma camiseta, foram enviados pelo sindicato rural local para
Brasília, a seis horas de viagem de lá. José e Maria se juntaram, então, a outras centenas de infelizes
enviados à capital federal pela Confederação Nacional de Agricultura (CNA) para, exatamente
como gado tocado no pasto, pressionar os deputados federais a votar a favor do projeto de Código
Florestal do deputado Aldo Rebelo, do Partido Comunista do Brasil.
Conversei com o casal enquanto ambos, José e Maria, eram obrigados a segurar cartazes pela
votação do texto de Rebelo, defendido por figuras humanasdo calibre da senadora Kátia Abreu, do
DEM de Tocantins, presidente da CNA, e do deputado Ronaldo Caiado, do DEM de Goiás, expresidente
da União Democrática Ruralista (UDR), velha agremiação de latifundiários de inspiração
fascista.
José e Maria não sabem ler e nem têm a menor idéia do que é o Código Florestal. Quando lhes
perguntei a razão do apoio ao projeto, assim me falaram:
José – Acho que vai ser bom pra nós e pros nossos netos, foi o que disseram.
Maria – É pra cuidar das terras, do futuro do Brasil.
Afora isso, não sabem nada. Nem uma pálida idéia do que é o projeto de Aldo Rebelo, muito menos
o que é reserva ambiental e mata ciliar. Nada.
Os cartazes, me contaram, foram entregues por um certo “Luís, do sindicato dos fazendeiros” de
Doverlândia, também responsável pela distribuição das camisetas da CNA. Eles foram embarcados
em direção a Brasília sem chance de contestação. Os dois não têm um único centímetro de terra,
mas trabalham na terra de quem manda, no caso, um fazendeiro da região.
Enfrentaram um frio de 9 graus na viagem até Brasília, tomaram café com leite e pão em
barraquinhas armadas em frente ao Congresso e, quando os encontrei, tomavam conta da fila de
doces, frutas e confeitos que a CNA havia preparado na entrada da Câmara dos Deputados para
impressionar a mídia. Tinham esperança de conseguir um almoço de graça e se mandar de volta
para Doverlândia, às 17 horas de terça-feira, dia 24, a tempo de dormir em casa. Triste ilusão.
As gentes usadas como gado pela CNA para garantir a aprovação do projeto de um comunista
ficaram enfurnadas no Congresso até tarde da noite, famintas e exaustas, obrigadas a se espremer
nas galerias e a servir de claque contra os opositores do Código Florestal. E, é claro, a aplaudir
Ronaldo Caiado.
Que essa perversão social ainda exista no Brasil, não me surpreende. Há anos tenho denunciado,
como repórter, esse estado de coisas.
O que me surpreendeu mesmo é que os deputados do PCdoB não tenham se retirado do plenário,
senão por respeito a José e Maria e à história do partido, mas ao menos por vergonha de serem
cúmplices da miserável escravidão a que o casal de Doverlândia e seus companheiros da terra foram
submetidos em troca de lanches e camiseta.

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