segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Galbraith diz que progresso social do Brasil é impressionante

Economia| 19/09/2010



Galbraith diz que progresso social do Brasil é impressionante

"É impressionante. Funciona e é algo que deve ser compreendido pelo resto do mundo. Em toda a minha vida, esta é a primeira vez que o resto do mundo está olhando para a América do Sul e para o Brasil como exemplo de algo que funcionou. A população tem aceitado e essa, a meu ver, é a coisa certa a se fazer". As afirmações são do economista James Galbraith, que participou de um seminário promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em Brasília. Em entrevista à Carta Maior, Galbraith analisa a situação da economia mundial e elogia as políticas de combate às desigualdades sociais em curso no Brasil e em outros países da América Latina.

Cláudia Guerreiro - Especial para Carta Maior

Respeitado internacionalmente por seu posicionamento frente às questões econômicas mundiais, o economista James Galbraith, de passagem por Brasília para participar do Seminário Internacional sobre Governança Global, promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conversou com a Carta Maior sobre crise, desenvolvimento e capitalismo. Confira:

Na sua opinião, estamos assistindo ao desenvolvimento de um novo ciclo da economia mundial?

JAMES GALBRAITH: Certamente estamos observando um novo ciclo, mas se será caracterizado por desenvolvimento, ainda não está claro. Isso depende da capacidade da comunidade internacional de moldar o caminho futuro da mudança econômica com uma visão estratégica apropriada. Até então, não temos visto isso. O que vemos – e refiro-me aqui aos Estados Unidos e à Europa, que estão no centro da crise – é um esforço para fazer as coisas voltarem ao que eram e fazer com que instituições falidas voltem a funcionar nos mesmos padrões de antes da crise.

O desapontamento que estamos testemunhando com os resultados da economia, me parece ter bastante a ver com o fato de que essa estratégia simplesmente não vai funcionar. Não é um método realista. Não estou separando a crise dos EUA da europeia. O que aconteceu com a Europa foi uma corrida por qualidade. Venderam os bounds e outros investimentos que acharam arriscados. Pensaram que a Grécia, Portugal e Irlanda eram arriscados e compraram títulos do tesouro americano. Fizeram isso porque outros investimentos que tinham, como os relacionados ao mercado imobiliário americano, perderam valor. Então, tentaram proteger sua posição. Não é que tenham descoberto algum ruim sobre a Grécia – todos os investidores sabem há décadas que a Grécia tem problemas: o país não cobra taxas dos ricos e tem os serviços muito amplos e ineficientes –. Isso não é segredo. A verdade é que no ciclo da economia, nos bons tempos você empresta dinheiro para países fracos e nos ruins, para de emprestar. Foi o que aconteceu com a Grécia. Tiraram os investimentos não porque descobriram algo novo sobre o país, mas devido ao que aconteceu nos EUA.

Especialistas dizem que os Estados Unidos estão prestes a sofrer uma nova crise econômica. O que o senhor pensa a respeito?

JG: Acho que ainda estamos trabalhando em um mesmo processo, que na verdade foi tornado inevitável há vários anos devido à falta de habilidade para regular e controlar o sistema financeiro. Isso levou primeiro ao boom, depois à crise e como consequência disso haverá um longo período para saldar as dívidas. E isso é muito mais complicado do que no caso dos países da América Latina nos anos 80. Nesse caso, tinha-se uma única fonte de empréstimo e quando se negociava com ela, vamos dizer bancos internacionais, estava resolvido. Era apenas uma questão de chegar a um ponto em que os bancos concordassem em fazer um acordo ou se o Tesouro Americano estava preparado para enconrajá-los a fazer um acordo, e isso aconteceu em 1989.

Na situação atual, existem milhões de fontes de empréstimo e milhares de credores, porque o financimento imobiliário foi dividido, segurizado e cortado em pedaços e agrupado com todos os outros instrumentos complicados. Então a dificuldade de se chegar a um acordo é muito grande. De fato, em termos práticos, não vai ser possível. O que vai acontecer é que as pessoas vão evitar fazer novos financiamentos. É o que elas vão fazer. O banco é dono da casa, a família vai para algum outro lugar.

O Brasil conseguiu escapar aos efeitos mais perversos das últimas crises. Isso aconteceu porque o governo agiu certo ou foi mera sorte de país emergente?

JG: Nos últimos dez anos, o Brasil tem buscado uma política de incremento, mudanças institucionais e desenvolvimento. Criou um sistema financeiro com inúmeras alternativas aos bancos comercias e completou o ciclo de circulação econômica, aumentando o poder de compra das classes mais pobres. E isso funciona. Há dois países no mundo nos quais você vê um mercado de redução da pobreza extrema: a China é um e o Brasil é outro. A situação da China se aplica apenas a ela. O legado histórico e institucional da China não é algo que alguém adotaria de maneira voluntária: a Revolução Cultural. O que eles fizeram é incrivel, mas tendo como preço um enorme sofrimento e uma sociedade que não é livre.

O Brasil fez isso sob uma democracia funcional, construído sobre princípios sociais essencialmente democráticos que tem sido atacados ininterruptamente por ideólogos neoliberais nos ultimo 30 anos. Ainda assim, aqui observamos, às sombras do modelo econômico da última década, um exemplo de que essa política acarretou um progresso social indiscutível e, mais do que isso, parece ser bem popular. A população tem aceitado e essa, a meu ver, é a coisa certa a se fazer. É impressionante. Funciona e é algo que deve ser compreendido pelo resto do mundo. Em toda a minha vida, esta é a primeira vez que o resto do mundo está olhando para a América do Sul e para o Brasil como exemplo de algo que funcionou.

Em sua apresentação o senhor disse que as pessoas tem uma ideia muito romântica acerca do capitalismo. Como isso ocorre?

JG: Particularmente nos EUA existe, no momento, um discurso político com uma tendência para descrever o país como liberal e com um mercado livre, no sentido da economia capitalista europeia. Isso é uma besteira. Não corresponde aos EUA no qual a população vive. O grande capitalismo liderado pelos bancos e instituições financeiras entrou em colapso em 1929.

A partir do início dos anos 30 o país foi reconstruído, tornando-se totalmente diferente, com um modelo que tinha um forte elemento de companhias privadas, mas no qual instituições cruciais foram estabelecidas por autoridades públicas, pelo New Deal. Nós temos a previdência social, a administração pública de trabalho, o conselho de monitoramento, a autoridade de Tenesee Valley, as indústrias públicas de administração, e poderíamos continuar conversando por muito tempo sobre como o país foi consruído nas décadas de 1930 e 1940. Isso levou a um periodo de prosperidade relativamente estável durante os anos de 1950 e 1960, até chegar à década de 1970.

O que aconteceu depois disso foi um esforço feito por Reagan, e particularmente por Bush (filho), de estabelecer o mundo que existia antes de 1929. Ter um país no qual o verdadeiro poder estava nas mãos do setor financeiro privado. Nessa escolha, existem duas realidades: a primeira é que haverá uma ascensão e queda muito rápidas. E a outra é que eles ainda não desmembraram as instituições existentes dos anos 1930 aos 1960. Então ainda temos previdência social, MedCare... ainda temos grandes instituições que estabilizam a economia e que funcionam. Essa é a razão para a crise não ter sido tão violenta quanto a de 1929. A taxa de desemprego chegou a 10% e não a 25%. O que é chamado de capitalismo não tem sido capitalismo. Esse, ao longo da minha vida, eu não conheci.

Fonte: Agência Carta Maior

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